ROYALTIES E REPÚBLICA - I - o
problema
Publicado em A Tribuna, 31/10/2011.
Meu primeiro passaporte (1966) parecia uma caderneta de fiados do armazém.
Na capa dura verde, as armas da república e a procedência: Estados
Unidos do Brasil.
O segundo passaporte veio corrigido: Republica Federativa do Brasil.
Em nosso país os Estados sempre estiveram juntos; não fomos unidos,
mas repartidos, nascemos gêmeos ou de uma ninhada republicana. Isto ajudou
a manter a nossa integridade territorial e a prevalecer o sentimento de fraternidade.
O federalismo se justifica por harmonizar tendências diversas inerentes
às diferentes regiões do país, promovendo desenvolvimento
equilibrado, igualdade social e garantindo o ir e vir de todos os brasileiros.
. Enquanto quase todos os outros estados recebem muito mais do que contribuem,
São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo remetem para os cofres
da União quantias que chegam a ser 10 vezes maiores que o montante do
investimento federal em seus territórios. O caso do ES é radical.
Saem daqui para o Tesouro Nacional quase R$ 10 bilhões, e recebemos menos
de R$ 1 bilhão em investimentos
A navegação foi o principal meio de transporte do sec. XVI ao
sec. XX, devido à nossa localização costeira, sempre recebemos
muitos imigrantes. Estatísticas mostram que em São Mateus (1875)
residia pelo menos um cidadão de cada um dos Estados brasileiros. No
último censo fomos campeões no quesito imigração.
Hoje, são “novos capixabas” residentes aqui, mais de um milhão
de cidadãos nascidos em outros estados. Embora nossa estrutura seja precária,
a convivência é harmoniosa.
Na segunda metade do século passado, com a quebra do café no Brasil
e a “vassoura de bruxa” destruindo o cacau no sul da Bahia, a industrialização
do ES foi acelerada para criar empregos, atendendo a uma grande massa de desempregados
que chegou às nossas cidades.
Crescemos desordenadamente. Inchamos. Adoecemos. Submetemos nosso ar, solo e
água ao interesse nacional: assim, construíram as megaempresas
exportadoras, que geram IPI (imposto federal). O grande e rápido fluxo
de imigrantes trouxe problemas que não conhecíamos, e os que já
existiam se multiplicaram em número e grau. Somos campeões em
violência e derrotados em educação
Com a sangria de recursos feita pelo Governo Federal, não conseguimos
arrumar a casa para receber bem aqueles que chegam. Não podemos atender
às demandas crescentes nas áreas de segurança, saúde,
educação, habitação, transporte, saneamento... O
que prejudica a todos.
Rousseau propôs a antítese entre o cidadão e o burguês:
burguês não é o nobre nem o rico, é o egoísta
que se ocupa dos próprios interesses para atender a sua vontade particular;
enquanto o cidadão procede observando a vontade geral.
Deputado federal é cidadão da República. Deve pensar e
agir a favor do país como um todo. Representando seu estado, contribui
para formar o pensamento e juízo nacional, de acordo com a tradição
republicana.
Acredito que Deputados e Senadores refletindo sobre a ética republicana
de integração nacional, e sendo o país governado por uma
presidenta com forte histórico socialista, há de prevalecer a
atitude cidadã sobre o espírito egoísta deste precedente
burguês extemporâneo, que pretende subtrair direito adquirido, tumultuando
a ordem e o progresso nacional.
Os royalties do petróleo são o capital necessário para
minimizar os problemas sociais multiplicados por mantermos ampla cooperação
republicana, braços estendidos para dar e coração aberto
para receber nossos irmãos.
Kleber Galvêas, pintor. Tel. (27) 3244 7115 www.galveas.com 10/2011
REPÚBLICA E ROYALTIES - II - a confusão
Representantes de vários estados brasileiros, inclusive do Espírito
Santo, têm protagonizado atitudes burguesas, extravagantes, extemporâneas,
egoístas, de olho grande cego, em razão da divisão dos
royalties do petróleo. Os mais barulhentos são os estados que
recebem mais verbas na divisão anual dos recursos federais.
Essa disputa entre estados gêmeos de um só parto, operado no Brasil
pela Constituição Republicana de 1891, tem incomodado. É
confusão entre irmãos. Um precedente mesquinho e perigoso, motivado
pela resistência dos Estados Produtores de Petróleo em aceitar
mudanças oportunistas, na maneira como as empresas vêm pagando,
na forma da Lei, os royalties da extração do petróleo.
Mudar essas regras é precedente perigoso porque tanto o mar quanto as
praias, os rios e o subsolo são de domínio da União (Art.
20, Constituição). O petróleo extraído no mar da
nossa costa não é capixaba; assim como o ferro obtido em Minas
ou no Pará, não é mineiro ou paraense. A energia gerada
em hidrelétricas, espalhadas pelo Brasil, também é da União.
Os Estados Produtores de Petróleo estão na defensiva, pretendem
apenas conservar os royalties que as empresas lhes pagam como compensação
pelas operações na extração do petróleo em
seus territórios, ou áreas de influência.
Essa compensação é paga aos estados devido a transtornos
em terra, mar, rios e ar; pelos riscos que estas operações representam
para sua integridade física e social; pelo suporte institucional e cultural
que recebem das comunidades onde se instalam; pelo ambiente tranqüilo,
tolerante, de bom-senso e cooperação que propiciam.
A disputa pelos royalties é mesquinha porque a quantia envolvida, embora
expressiva, se torna pequena, comparada ao volume e a forma como os recursos
da União são repartidos entre os estados. A diferença entre
o montante que o governo federal arrecada no ES, sob a forma de impostos, e
o que retorna como investimento federal para o Estado, representa perda cinco
vezes maior do que o nosso prejuízo alcançará com as mudanças
nas regras da distribuição dos royalties.
Nossos deputados e senadores precisam superar estreitezas provincianas, elaborar
projetos e emendas, marcar presença, conquistar espaço e trânsito
na esfera federal para obtermos uma melhor fatia do bolo que a União
reparte todos os anos. Muitas vezes maior do que os royalties do petróleo.
Porém, desligados e inexpressivos, aceitam passivamente que o governo
federal nos dê sempre o pedaço mais magro. Fatia menor só
recebe o Piauí.
É uma questão delicada mudar as regras dos royalties do petróleo.
Será um precedente institucional perigoso que restringe um direito adquirido
semelhante a tantos outros, vigente no país. O ferro e demais produtos
nacionais obtidos no subsolo, rios (hidrelétricas) que, como o mar, pertencem
à União, pagam há anos royalties que nunca foram questionados.
O precedente que se pretende obter no caso do petróleo, mudando a regra
do jogo no segundo tempo, pode gerar animosidade entre parceiros tradicionais,
propiciar um inferno político/jurídico, ocupando-nos com uma questão
menor.
Insistir nisso, por razão pecuniária, não faz sentido,
para nenhum dos lados envolvidos. Por mesquinharia estamos provocando sentimentos
cujas conseqüências sociais são imprevisíveis. Em nosso
país a migração interna é soberba e sempre foi muito
tranqüila. Das três noras que tenho duas são mineiras. O ES
é brasileiro e republicano.
Kleber Galvêas – pintor. Tel. (27) 3244 7115) www.galveas.com novembro/2011
ROYALTIES E TRINDADE - III - a solução
Um dia o petróleo vai acabar. Árabes e asiáticos, pensando
nisso, têm investido expressivo capital obtido com royalties do petróleo
na criação de ilhas. Aterram o mar com areia e nessas ilhas criam
paisagismo, marinas, hotéis, cassinos, casas, praças, teatros,
shoppings, etc. Esses ambientes artificiais, oferecendo serviços de alta
qualidade, ecologicamente monitorados, atraem turistas de todo o mundo. O capital
investido é multiplicado ao longo dos anos, sem chaminés.
Se a questão relativa aos royalties resultar inglória para o Espírito
Santo, o consolo é que já temos a nossa ilha. Cinco vezes maior
do que Mônaco, quase duas vezes Gibraltar, com 10 km2 de pura beleza e
a mística dos “mares do sul”. Isto sem nos custar nada.
A Ilha da Trindade está ali, bem em frente a Vitória, cerca de
1200 km mar adentro em linha reta. Na época de D. João VI (1817),
cinco marinheiros, o capitão Devaux e o Conde de Amerval fizeram a viagem
Trindade – Rio num escaler a remo. A Ilha já foi portuguesa, inglesa,
e quase independente. Desde 1952, pela Lei Nº 732 faz parte do município
de Vitória. Será o nosso “poço de petróleo”
que nunca se esgotará incorporada economicamente ao Espírito Santo.
Trindade é a única ilha habitada, verdadeiramente oceânica
do Atlântico Sul, que não é inglesa. Lá, água
e atmosfera são transparentes, e o clima muito agradável. Ao contrário
de Barbados, país ilha das Antilhas, com 300 mil habitantes, sem riacho
nem lagoa, Trindade possui riacho perene graças ao Pico do Desejado,
com 620 metros de altitude.
A história da Trindade, com tesouros, cavernas, piscinas naturais, praias,
tartarugas e samambaias gigantes, e seu isolamento, são fortes atrativos
turísticos. A Ilha vem sendo estudada por cientistas desde o século
XVI. Talvez seja o pedaço do Brasil que conhecemos melhor a geografia,
geologia, fauna e flora.
Não há porto nem aeroporto em Trindade. Quando da Guerra das Malvinas
(1982), empresas americanas orçaram em U$ 450 milhões a construção
desses dois espaços.
A possibilidade única de um cruzeiro transatlântico interno, para
um paraíso tropical nacional de além mar, representa excelente
perspectiva para os três setores da nossa economia. Trindade é
distrito do município de Vitória, onde ficará a âncora
econômica do seu desenvolvimento.
Hoje, nenhuma atividade se sustenta sem preservar e valorizar o meio ambiente
em seu entorno. Essa garantia é fundamental para nossa ilha.
O Governo Federal está finalizando o tombamento da Trindade. Não
há nenhuma iniciativa política para deter essa ação
radical que, se consumada, nos dará enorme prejuízo, muitas vezes
superior aos royalties disputados. Precisamos agir rapidamente.
A Inglaterra é dona de todas as outras ilhas oceânicas no Atlântico
Sul, inclusive do arquipélago de Santa Helena, onde Napoleão morreu.
Situado quase no mesmo paralelo da Trindade, do lado da África, não
consta que alguma de suas ilhas, ou qualquer ilha britânica tenha sido
tombada. A limitação de uso que o tombamento implica dificultará,
ou mesmo impossibilitará a integração econômica da
nossa ilha com o continente.
Vamos saltar a etapa dos royalties do petróleo, disputados em arena sem
espírito republicano, e agir para desenvolver a Trindade. Nosso “petróleo”
vai demorar um pouco mais para jorrar, mas quando começar será
como o das ilhas artificiais do oriente pós-petróleo. Será
para sempre e crescente.
Kleber Galvêas, pintor. Tel. (27) 3244 7115 www.galveas.com novembro/2011