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SUICÍDIO DE JORNAIS IMPRESSOS MATA A PEQUENA MARIA PRETA

Desde que se dobrou A Gazeta (A Tribuna já era tabloide), reduzindo 50% o seu tamanho original (de broadsheet a tabloide, 2010), as “Marias Pretas” que, em junho e julho, subiam ao céu na Barra do Jucu, ficaram pequenas e rarearam. Poucas crianças eu tenho visto rodeando uma delas em chamas, abanando as mãos e gritando: “sobe maria preta, sobe maria preta...", para que elas deixem a terra em ascensão.

Uma edição do jornal tinha papel macio para dezenas de marias pretas. Elas nasciam e morriam em instantes, dezenas delas, em apenas uma noite.

 Criar uma maria preta era fácil, rápido e barato: a folha dupla do jornal lido era separada e bem amassada entre as mãos; uníamos as quatro pontas da folha retangular, prendendo-as com um graveto ou palito de fósforo queimado; com essa parte para baixo, tendo o ar no interior do artefato de papel dado ao objeto o formato rotundo de uma trouxa, fogo era ateado por baixo. A maria preta subia impulsionada pela diferença de pressão, devido ao ar aquecido no interior do papel. Exatamente como acontece com os balões das festas de São João. Ao ganhar o céu, a maria preta se desfazia em pequenos fragmentos incandescentes, quais múltiplas estrelas. Social, cooperativo, lindo e muito alegre, essa tradicional diversão junina barrense encolheu, e agora tende a desaparecer, com a extinção da mídia impressa.

Aqui na Barra não se compravam bombinhas. A folha de abricó, sua substituta, lançada na fogueira dava estalos e espalhava fagulhas. Em Vila Velha usávamos a folha da carobinha com a mesma finalidade.   Uma esponja de aço, tipo Bombril, amarrada a um barbante ou na ponta de uma vara, que girávamos logo que o fogo fosse colocado na esponja, nos propiciava a apreciação de uma grande e linda girândola luminosa.     


Nós vamos sentir a falta do jornal de papel pelas 1001 utilidades que esse papel tem. Nos anos 1950, um livreto ilustrado distribuído pela Secretaria de Saúde do Governo do ES para médicos e parteiras ensinava a preparação de uma sala de parto, usando folhas de jornal. Alegavam ser material isento de germes devido à tinta de impressão. O conteúdo do jornal os editores prometem enriquecer e expandir, pelas facilidades que a Internet propicia.  Mas vamos perder um pouco da convivência, em todos os lugares, e da alegria nas festas juninas da Barra do Jucu.

Quando eu era criança, invariavelmente na hora das fornadas, formávamos filas nos balcões das padarias. Despachar os fregueses, embrulhar o pão em folha de papel e atar cada pacote com barbante, era processo moroso. O Governo exigia que fosse assim. Sacos de papel eram vetados. Segundo alguns, por uma inexplicável questão de higiene (vi franceses, em Paris, levarem pão sob o sovaco e apoiarem no chão a ponta de suas longas baguetes desembrulhadas, enquanto liam esperando o ônibus); outros diziam que era para que todos tivessem acesso ao papel e ao barbante, ambos com 1001 utilidades, até pouco tempo.

Essa visão social universalista-utilitária de governo se ampara no precedente do sal iodado. O iodo foi obrigatoriamente incorporado ao sal pelos distribuidores desse produto, para que alcançasse toda a população a fim de reduzir o aparecimento de bócio, por carência de iodo, entre os brasileiros.

A religião nos prepara para a desconhecida “vida futura” no céu, o jornalismo para a vida na Terra, aqui e agora. Porque contribuímos religiosamente com o dízimo apenas para um desses importantes segmentos sociais, e negamos a assinatura ao outro, que também precisa ter independência e conforto?  

Para que as nossas marias pretas continuem exuberantes, a amiga Selene nos traz sempre jornais grandes do Rio de Janeiro. Até quando? Sobe maria-preta, sobe maria preta...   

Kleber Galvêas, pintor. Tel. (27) 3244 7115 www.galveas.com julho, 2019


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