O Espírito Santo tem um Bem Cultural de Valor, mantido em cativeiro
no Rio de Janeiro, por não termos pago seu resgate, nos anos 50.
Em 1587, veio para o Brasil o pintor/padre jesuíta Belchior Paulo. Ele
começou o trabalho de decoração de nossas igrejas em Pernambuco,
depois Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Santos e São Paulo.
Foram 32 anos trabalhando para a formação do Brasil; destes,
os últimos 16 dedicados exclusivamente à pintura. Todo o seu
trabalho artístico foi destruído ou coberto por camada de tinta
grosseira, a mando do Marquês de Pombal. Em todos os lugares onde trabalhou,
pesquisadores buscam vestígios da sua obra: a mais antiga manifestação
de pintura renascentista em solo americano.
“
Os jesuítas se insurgiram contra a escravização dos índios,
com o propósito de estabelecer no Brasil o governo temporal da Companhia
de Jesus, esteado no elemento indígena. O que estorvava os interesses
dos colonos e ao governo local criava graves dificuldades” (Reis Junior,
1944)
Quatro anos após vencer os Sete Povos das Missões, (que com o
Tratado de Madri (1750) havia passado para o domínio português)
Pombal expulsou os jesuítas do Brasil (1760) e mandou que fossem destruídas
todas as pinturas de Belchior. Só por que lembravam os jesuítas?
É
suposto que nestas obras o elemento indígena figurasse em destaque:
o grande herói nacional do momento era Arariboia (1565); dois filhos
mestiços de João Ramalho haviam tombado ao lado de Fernão
de Sá, na última paliçada do Cricaré (1558); o
Concilio de Trento (1563) havia reconhecido a existência da alma dos índios;
os aldeamentos prosperavam; Anchieta havia publicado a Gramática da
Língua Geral e o tupi/guarani era língua corrente; os jesuítas
mesclavam elementos da cultura indígena aos rituais da igreja; Anchieta
escrevia e encenava peças teatrais onde os índios dançavam,
tocavam e atuavam. Fazia parte da ideologia jesuítica a valorização
do nativo. Assim, o interesse pela obra de Belchior Paulo, além de estético é iconográfico. É possível
que suas pinturas contenham elementos esclarecedores da relação índio/jesuíta, índio/colonizador, índio/império
português.
Pesquisa buscando essas pinturas só obteve sucesso no ES. Na década
de 40 foi encontrada em Anchieta uma tábua coberta por grossa camada
de tinta, que raspada, revelou tratar-se do retrato do Padre Anchieta, com
o bastão de andarilho na mão direita e na esquerda um rolo de
papel com inscrições do poema à Virgem. Esta tábua
foi encaminhada, quando do tombamento da igreja de Anchieta pelo IPHAN, para
restauração por Edson Mota. Restaurada, eu a vi em 1986, em exposição
no Museu Nacional de Belas Artes.
O padre/pintor Belchior Paulo foi um dos sacerdotes que confortaram Anchieta
nos últimos dias (1597). Portanto esse é o único retrato
do nosso taumaturgo feito por um contemporâneo dele.
O retorno dessa obra ao ES irá compor, com as telas de NS das Alegrias
do Convento da Penha, e o painel dos Reis Magos em Nova Almeida, a tríade
das pinturas mais antigas existentes no Brasil. Além de patrimônio
cultural e valor monetário expressivo, bem posicionado para apreciação
pública e divulgado seu retorno, será elemento de atração
turística para o Espírito Santo.
Anchieta, com as mãos amarradas se ofereceu como refém aos Tamoios,
para conseguir a paz. Compete aos capixabas colocar a mão no bolso,
e pagar o resgate do seu precioso retrato.
Kleber Galveas – pintor. Tel. (27) 3244 7115 www.galveas.com 06/2007