Nossos ancestrais de mais de 3 milhões de anos, não se interessavam
por arte. Viviam nas florestas da África saltando de galho em galho,
como fazem alguns mamíferos.
Nossos retataravôs, os australopitecus, mudaram da floresta para o campo.
Bípedes, empinaram e ampliaram seus horizontes. Passaram a enxergar mais
longe e, com peculiar visão binocular (os dois olhos na frente, num mesmo
plano da face, formando uma linha de base) conseguiram avaliar distâncias,
distinguindo a sucessão de planos. A existência de cones e bastonetes
no olho humano nos possibilita perceber os diferentes comprimentos das ondas
luminosas que determinam a identidade das cores, e suas nuances. Graças
a estes atributos físicos, os humanos conhecem e aplicam as perspectivas
na pintura: linear (desenho) e aérea (cor).
Cientistas que pesquisam o comportamento humano, em sua interação
com o ambiente, afirmam que 80% da comunicação do nosso corpo
com o mundo exterior é feita através da visão. É
tal a eficiência deste aparelho que os outros sentidos se acomodam. Daí
a surpresa agradável daquele que ficou cego, ao descobrir o potencial
do tato, audição, olfato e paladar, na percepção
do ambiente que o cerca.
Para quem enxerga bem, havendo uma fonte de luz, o que costuma bloquear a nossa
visão, ao reduzir o campo a um plano, são paredes e muros que
construímos.
O homem primitivo (Homo sapiens) quando se refugiou em cavernas, nos últimos
40 mil anos, esculpiu e pintou em suas paredes, interferindo no bloqueio arquitetônico
da sua visão. Construindo casas, templos e até sepulturas, nos
primórdios das civilizações, decorou as paredes, como revelam
as descobertas arqueológicas (Satal Hüyük) de até 9
mil anos.
Nada é mais intimamente percebido pelo nosso ser, influenciando decisivamente
nossa relação com o meio ambiente, do que a limitação
de um dos sentidos. Especialmente o da visão, nossa “janela”
mais ampla. Curiosamente, em se tratando de arte, a “janela” do
ouvido, muito menor, parece merecer maior atenção das pessoas.
Embora a audição represente menos de 20% do nosso contato com
o ambiente, as pessoas são muito criteriosas ao montar suas discotecas
e na escolha dos equipamentos. Reprovam desafinados, ruídos, ecos e estilos
com os quais não têm afinidade.
Com a pintura não é assim. Encontramos poucas pinturas de qualidade
bem posicionadas e adequadamente iluminadas, mesmo em salas “elegantes”
e salões oficiais.
A razão deste disparate se deve à ausência de tradição
(a pintura chegou, de fato, ao ES em 1951); formação de público
(aqui não há museus com coleções permanentes); desprezo
do governo por preceitos constitucionais (Art. 215 e 216); despreparo da mídia
(preconceito e formação deficiente) e à pretensão
de muitos artistas.
Pintores, escultores e outros do gênero, que se nomeiam “artistas
plásticos”, ao contrário daqueles que produzem para a audição,
paladar, tato e olfato, ainda acreditam que se bastam e que a arte está
na obra que produziram ou na sua execução. Subestimam a relação
com o público falando em “obra de arte”, quando o mais próprio
seria “obra para arte”. O orgulho e a vaidade se sobrepondo à
razão - desprezando a figura do observador - vão contra a
natureza da arte, que semelhante a do amor, não é atributo pessoal,
mas o tipo de relação entre pessoas.
A arte não acontece se não houver público. Só se
realiza havendo observador que se sensibilize, ao apreciar a peça oferecida
pelo artista, seja ele atual, contemporâneo, moderno, barroco, ou
mais antigo. Se exibida, permanece "viva" e atuante, transcendendo
a vida efêmera do autor.
Kleber Galveas, pintor. Tel. (27) 3244 7115 www.galveas.com 11/2008