O MUSEU ESTÁ NU. Carta aos gestores da Vale.


A atuação do Museu Ferroviário da CVRD, em Vila Velha, ES, merece reflexão. Suas atividades, uma sucessão de experiências exóticas, se sobrepõem ao seu caráter original. A estrutura e funcionamento carecem de modernização.
Estou ligado à pré-história deste Museu. Fui escolhido relator do processo de tombamento do prédio onde está instalado. Elaborei o relatório e solicitei ao colega Conselheiro Achiamé que o apresentasse, por motivo de viagem (quatro meses, pintando e expondo no Oregon, US – outono, 1982). Na ocasião sugerimos à CVRD o aproveitamento do prédio, que estava abandonado, para a montagem de um museu, que mostrasse a empresa: sua história, participação direta e indireta no fomento do extraordinário crescimento do Espírito Santo pós-Vale, suas atividades no Brasil e no exterior. A expectativa era priorizar a difusão do potencial e as realizações da CVRD, e dos capixabas. Possibilitasse empatia e interações, com vistas ao desenvolvimento da empresa e do ES, contemplando também a arte. Nossa história econômica se divide em: antes da Vale (lugar de toda pobreza, e problemas) e depois da Vale (lugar de todos os problemas, e riqueza).
O termo “ferroviário” sumiu do nome do museu, o ES não é visto por lá, e o contemporâneo ali exibido é quejando, simulacro, repetitivo. O devaneio predomina sobre a visão cultural, confundindo imposição com cultura, deslumbramento com eficiência, paternalismo com parceria.
Praticando política provinciana de submissão ou imitação, realizando “experiências estéticas” (como define Olinta Cardoso, Superintendente da Fundação Vale do Rio Doce) o museu tornou-se espaçoso para o exótico e o mesquinho, ignorando a produção, história, identidade e interesse local.
Artistas locais não desenvolvem suas experiências estéticas. O Estado, sem Fundo de Cultura, não cumpre o Art. 215 da Constituição e Leis de Incentivo privatizaram o autoritarismo na área cultural, arrepiando a democracia. Essas Leis permitem que empresas abatam do IR despesas tituladas como cultura, propiciando generosamente alocar recursos e escolherem o que deve acontecer, onde e quando mostrar. Cultura pressupõe, por definição, que a iniciativa seja popular. O contrário é fascismo, integralismo, corporativismo,... Uma doutrina qualquer.
Soberbos vernissages e propaganda intensiva douram a pílula, ofuscando as demais realizações culturais, criando a categoria dos eventos secundários, pobres, terceira página. A retribuição para tanto poder, deferido legalmente, é o kitsch, simulacros, indiferença e distanciamento em relação ao desequilíbrio criado.
O museu está nu. Só vocês não sabem, o que pode ser natural para imperadores e presidentes, mas não para empresários. No catálogo da exposição em andamento, a Sra. Olinta assina um texto: “... reafirmando seu compromisso de formação de público com foco na educação infanto-juvenil, divulgando e proporcionando o acesso de todos à cultura...” Mostrei esse catálogo para: - Engenheiro da Vale, que morou na Europa e América; - Acadêmica da nossa AELetras; - Psicanalista interessado em arte; - Diretora da Escola Estadual, que forma professores do 1º Grau; - Historiador e Jornalista; - Vereador e Dep. Estadual; - Diretor de teatro e cinema; - Artistas que visitaram meu ateliê recentemente. Todos ficaram maravilhados com o papel, fotografias e o trabalho gráfico realizado na edição. Todos também ficaram pasmos com o obscurantismo do texto do Sr. Navas. Ninguém compreendeu nada. Desconsidera o compromisso indicado pela Sra. Olinta, que provavelmente não o leu.
Desejo vida longa ao museu, mas também sua correção de curso. Por favor, leiam o seu catálogo e façam uma visita para avaliar o custo/beneficio.


Kleber Galveas. Tel. (27) 3244 7115 www.galveas.com setembro/2007