MARIPOSAS NA ELEIÇÃO

A frustração do chinês, inventor da imprensa, em não poder publicar o que pensa, corresponde à do americano, inventor da democracia moderna, que ainda não pode escolher seu presidente em eleição direta. Nós aperfeiçoamos a democracia com o voto universal. Entretanto o jornalismo (minado por empresas de comunicação) e arranjos partidários, nos proporcionam desilusão pior do que na China (escrevemos, mas não lemos: não publicam) e do que na América (o nosso voto direto perdeu o rumo). Votar é escolher, mas muitas vezes não há opção.
É vergonhoso o panorama político em minha terra: partidos sem ideologia, dirigentes sem identidade, políticos equilibristas saltando de uma sigla para outra... Vivemos uma campanha eleitoral onde a maioria conservadora parece buscar um emprego; alguns candidatos são marionetes; outros, ungidos nos bastidores, encenam disputas com “opositores laranja”.
Na última eleição, o debate na TV entre dois dos candidatos a governador revelou essa estratégia. Não houve debate! O candidato derrotado fez papel de “escada”; como no teatro, facilitou o desempenho do ator principal. A atuação nessa farsa foi premiada com cargo em Brasília e, nesta eleição, tem o apoio do antigo opositor. Ator aplicado da nossa opereta política, sem escrúpulo, usa a mesma estratégia para se eleger prefeito.
Com tudo dominado, após seduzir quase todos os partidos políticos, corromper outros com cargos, induzir empresas a financiar determinadas campanhas, o governo acha indispensável o laranja. Ele minimiza o risco de uma derrota por votos em branco. Num lampejo de lucidez (em Vila Velha já elegemos o mosquito) o eleitor pode acordar e decidir que o crime político organizado não deve prosperar. Sem opção, pode reprovar os candidatos.
Nesta terra onde o imperador está cercado por políticos de todos os matizes, empresários, líderes de corporações, sindicalistas, intelectuais, jornalistas, artistas, religiosos e engrossadores, será que só a ingenuidade das crianças conseguirá, como na parábola de Andersen, apontar a nudez do rei? Onde estão seus pais? Na democracia os acomodados que se recusam a subir em tamborete ou em ombro amigo para ver mais longe e melhor, são responsáveis pelo céu carregado que se desenha no horizonte da nova geração.
O Estado, empresas e a política, nascidos da sociedade, não podem se sobrepor a ela. Empresas devem ser incentivadas como propulsoras do progresso e, com regras claras, estáveis, livres de entraves burocráticos e chicanas (que propiciam barganhas eleitoreiras) a desenvolver suas funções com lucro e responsabilidade social. Um ambiente próspero e saudável é do interesse de todos. Na política, a ética precisa ser resgatada; e o governo, recuperar a autoridade.
A indigência moral de vários candidatos, nesta eleição, aparece na patética imagem que procuram construir deles mesmos em suas propagandas, insistindo no culto à personalidade do chefe. O valor das idéias, do caráter, da disposição para o debate e aprendizagem, desapareceu.
O comportamento dos políticos capixabas de hoje me lembra as extintas mariposas da Barra do Jucu. Quando aqui chegou a luz elétrica, elas ficavam a noite inteira girando próximo das lâmpadas. As que chegavam muito perto queimavam as asas e caiam. As outras, em entrega total ao brilho alheio, se descuidavam da própria vida. Circulando à exaustão em torno do foco artificial, amanheciam estropiadas, espalhadas pelo chão.
E a saída? Investir em educação, ampliando nossa capacidade de avaliar e escolher. Incentivar os grêmios estudantis para que a prática da democracia seja exercício precoce de participação, liderança e fiscalização.
Kleber Galveas www.galveas.com Tel. 3244 7115 ateliê@galveas.com 08/2008