JABAITÉ, LAGOA ESQUECIDA.
Em Salvador, Abaeté é uma lagoa escura, arrodeada de areia branca.
Na Barra do Jucu, Jabaité é uma lagoa negra, cheia de mistérios.
Na infância, de 1950 a 55, no inverno e verão, fiz viagens de São
Mateus, onde morava ( nordeste do Espírito Santo) até Dores do
Rio Preto, casa dos meus avôs (sudoeste).
Não havia estrada asfaltada. O único caminho, ligando Vitória
ao sul do Estado, passava pela Praça da Barra do Jucu. Dali, ele seguia
para oeste, mais uma légua de chão batido alcançava a lagoa
de Jabaité, com suas cinco ilhas flutuantes. Majestosa, grande, profunda,
de cor negra, e magnificamente emoldurada por várzeas e morretes, tendo
ao poente o monte Mochuara se destacando da serra azul.
O município de Jabaité fora extinto há poucos anos, repartido
entre Vila Velha, Cariacica e Viana, em conseqüência da dispersão
dos moradores, iniciada com a expulsão dos jesuítas e culminada
com a mudança radical da via de trânsito (1955). O Rio Jucu, seus
afluentes e canais foram abandonados com a construção da Br. 101
asfaltada, ligando Vitória ao Rio de Janeiro. A nova estrada passava ao
largo da Lagoa, da Barra e de Vila Velha, chegava à Capital por Cariacica
e São Torquato. Com a divisão, Jabaité e suas lendas ficaram
para Vila Velha e caíram no esquecimento.
As viagens da família eram feitas em jeep. Minha mãe sempre grávida
(seis filhos em oito anos) preparava uma farofa de galinha para comermos em Jabaité.
No caminho apostávamos em qual margem da lagoa encontraríamos as
famosas ilhas flutuantes. O prêmio era o coração da penosa.
Uma bússola funcionava como roleta de quatro opções. Meu
pai quase sempre ganhava. Custamos a descobrir sua estratégia: antes de
avistarmos a lagoa ele parava o carro e, despistando, estudava a direção
do vento. As ilhas tinham arbustos que funcionavam como velas...
A origem destas ilhas se deve a montículos da margem, ricos em raízes
e turfa oleosa (baixa densidade) que se desprenderam após uma cheia mais
forte no passado. Embora fosse fato observável, as ilhas andantes ganhavam
uma dimensão misteriosa, enquanto traçávamos a farofa com
guaraná, ouvindo as lendas de Jabaité: “Canoa de bronze”, “Mulher
de 10 metros”, “Caboclinhos”, “Caravelas naufragadas”, “Tesouro
dos jesuítas”, “Assombrações”, “Piratas”, “Correrias
dos índios”...
Para aproveitar a várzea, como pastagem, drenaram a lagoa e as ilhas flutuantes
se fixaram. Localizada na oliocolândia (vasa rica em óleo, pesquisada
por Almeida Cousin como combustível alternativo) a lagoa está sendo
sufocada pela expansão imobiliária. Suas lendas estão caindo
no esquecimento, junto com D. Zilda, Dulcinéia, Seu Caboclo, oliocas e
o interesse por nossa identidade.
Kleber Galveas, pintor Tel. (27) 3244 7115 www.galveas.com set. 2007