Pinturas |
Do desenho. Em Amsterdam (1968) visitei no
Rijksmuseum uma exposição comemorativa que reunia mais de 200 obras de Van
Gogh, entre pinturas e desenhos. Chamou minha atenção o fato de que nenhum
desenho estava emoldurado. Dois meses antes havia visto em
Londres, na National Gallery, o desenho “A Madona e Santana com os Meninos”, de
Leonardo Da Vinci, em sala climatizada, luz azulada e sem moldura. Sabia que emoldurar obra de arte
sobre papel é impróprio devido à exposição permanente à luz, o que escurece o
papel, e ao fato de a moldura formar uma estufa, facilitando a proliferação de
fungos. Assim, precipitadamente, julguei ser descaso dos curadores a falta de
molduras. Ignorando a questão estética, pensando
só nos problemas físicos que conhecia achava que o curto período da exposição e
ações preventivas (iluminação adequada e higienização) evitariam risco às
peças. Tentei encontrar uma explicação para o que me pareceu ser negligência.
Tinha 20 anos e minha experiência era apenas com pintura. Voltando a Lisboa, onde estudava
hospedado em casa do galerista e pintor bissexto José Maria Peniche Galveias
(Galeria Galveias e Galeria São Francisco, ambas no Chiado, Lisboa), falei
sobre o “incompreensível descaso” que imaginei ter observado em Londres e
Amsterdam. Ele, mais velho e muito mais experiente, sorriu, foi até a estante,
pegou um livro, entregou-me o volume aberto no capítulo “Do desenho” e disse:
“É de um grande esteta brasileiro: Mario de Andrade. Leia, você vai entender que
não houve descaso ou negligência dos Museus.” Li as cinco ou seis páginas e
assim compreendi que a ausência de moldura era intencional, uma questão de
estética. Considerando-se a natureza do que é um desenho, nem para exposições
temporárias, com todos os cuidados tomados, ele deve ser emoldurado. A seguir trechos do capítulo “Do
desenho”, do livro Aspectos das Artes Plásticas no Brasil, de Mário
de Andrade: “(...) o desenho é uma espécie de
definição, da mesma forma que a palavra “monte” substitui a coisa “monte” para
a nossa compreensão intelectual. (...). Um quadro sem moldura pede
moldura... Ao passo que colocar moldura num verdadeiro desenho, que só
participe da sua exata natureza de desenho, é uma estupidez que toca as raias
do vandalismo. Os amadores do desenho guardam os seus em pastas. Desenhos são
para a gente folhear, são para serem lidos que nem poesias, são haicais, são
quadrinhas e sonetos.” Aqui no Brasil,
paraíso dos fungos e de luminosidade intensa o ano todo, quando emoldurados,
desenhos em papel não resistem ao tempo e não são apreciados de forma
adequada. Dúvida? Leia na fonte: "Do
desenho", Mário de Andrade. Kleber Galvêas, pintor. www.galveas.com outubro,
2017.
|