No final do governo Camata, senador que recentemente esteve em todos os canais
de televisão afirmando ser o único senador da república
a ter dois projetos sancionados pelo presidente (um dando nome a trecho da Br.
101 e o outro federalizando área do ES para a construção
de um porto) aconteceu um almoço em palácio, para o qual foram
convidados líderes das entidades culturais do Estado. O objetivo era
apresentar as novas regras para escolha dos Conselheiros, do Conselho Estadual
de Cultura.
A nova Lei, de autoria do então deputado Paulo Hartung, determinava que
eles fossem indicados por suas respectivas entidades de classe.
Durante o almoço, em que era o único convidado que não
representava nenhuma entidade, me manifestei contra a novidade. Argumentei que
pela primeira vez o CEC (sob as presidências de Anete Vitali e Anna Bernardes)
estava operante e desempenhando bem o seu papel legal de assessoria do governo.
Defendi a tese de que ele era órgão de uma secretaria de Estado,
e que os Conselheiros recebiam jeton para colaborar no desenvolvimento da política
cultural, cujas diretrizes haviam sido aprovadas em eleição livre.
Competia ao governador escolher colaboradores, para que seu projeto cultural,
apresentado na campanha vitoriosa, chegasse a bom termo.
Montar o Conselho seguindo orientação da lei de inspiração
fascista do deputado Hartung (cooptação de lideranças sindicais)
seria afrontar a democracia, trocando a vontade popular, democraticamente expressa
nas urnas, pelo interesse de grupos organizados nem sempre afinados com a proposta
do governo, aprovada na eleição. Argumentei que estavam transformando
o Conselho em “saco de gatos”, que seria esvaziado no primeiro conflito.
Que mais próprio seria a Federação das Entidades Culturais
acompanhar vigilante a atuação do Conselho, com independência
e autoridade própria.
Os comensais não compreenderam. A lei foi assinada, surgiram os conflitos
previstos, logo tiveram início amputações nas funções
do Conselho (traçar normas e realizar tombamentos) e veio o ostracismo.
No final do governo José Ignácio foi criado o Fundo de Cultura
e ressuscitaram o Conselho.
Paulo Hartung, ao assumir o governo estadual, ignorou o Fundo e o Conselho permaneceu
inativo. Em manifestação explicita de submissão provinciana,
ficou estabelecido neste governo que os projetos culturais, pretendentes ao
seu apoio, devem passar pela aprovação de um avaliador externo,
escolhido fora do ES.
Parceria foi trocada por paternalismo; desvirtuando o que é Cultura,
até por definição. Absurdos foram acontecendo.
O governo apoiou uma Escola de Samba do Rio de Janeiro (rebaixada neste desfile)
que degradou a imagem da heroína Maria Ortiz. Cultuada por nós,
há quatro séculos, como paradigma da valentia cívica e
guardiã da nossa identidade, ela foi apresentada na Sapucaí (maior
palco do país) como prostituta. Alguns dos nossos empresários
e figurantes do governo, só no sapatinho sem usar a cabeça, participaram
na avenida da evolução do infame desfile.
“O Estado garantirá acesso às fontes da cultura nacional,
e apoiará e incentivará a valorização e a difusão
das manifestações culturais”. Art. 215, da nossa Constituição.
“Incentivará o conhecimento de bens e valores da cultura”.
Art. 216. O governo Paulo Hartung subverteu estes preceitos constitucionais.
Vultosa quantia (que daria para montar um museu) foi amealhada em órgãos
do governo (não havia previsão orçamentária), para
pagar a visita da exposição itinerante de esculturas de Camille
Claudel ao Espírito Santo, promovida pela viúva de Roberto Marinho.
Só com seguro foi gasto mais de 1 milhão de reais. Na mesma época,
franceses dedicaram o Festival da Sardinha na Bretanha, ao nosso congo. Imprimiram
“Brésil – Barra do Jucu – Espírito Santo”
em milhões de latas de sardinhas, cartazes gigantes e folhetos (veja
fotos na pág. 188, “A História da Barra do Jucu” –
Homero Bonadiman Galveas) nosso governo, na última hora, se recusou a
pagar as passagens dos conguistas que iriam tocar e fincar o mastro de São
Benedito, na França. Durante os meses preparatórios da viagem,
foram escolhidos representantes das diversas bandas capixabas. Os barrenses
(os convidados) abriram mão da hegemonia em favor da participação
de representantes da Serra, Vitória e Cariacica. Novas bandeiras foram
pintadas, tambores decorados e uniformes engomados. O entusiasmo dos mais idosos
era tão grande, que aprenderam alguns versos da Marselhesa. Tudo estava
pronto para a partida, quando foram informados de que o governo do Estado não
cumpriria a sua parte. Os franceses, decepcionados, providenciaram seis passagens
e com este punhado de capixabas bateram tambores e fincaram o mastro.
Educação Artística é matéria curricular de
todas as séries das nossas escolas. Um museu de arte é equipamento
indispensável nesta aprendizagem. Nosso único museu, com exposição
permanente, continua a ser o modesto Homero Massena, fundado em 1986 pela Prefeitura
de Vila Velha.
Como prefeito de Vitória, Paulo Hartung nomeou um amigo Secretário
de Cultura que em entrevista, confessou: “não gosto de conversar
com artista”. Ele já havia sabotado (por ordem superior) um concurso
popular de trovas em homenagem ao aniversário de Vitória, onde
o poeta Otinho se apresentou pela última vez. Sem o apoio prometido pela
Prefeitura de Vitória, que não cumpriu nenhum item do acordo,
o evento inédito aconteceu no chão da Praça 8, promovido
pela Prefeitura de Vila Velha. Marcou com simpatia o aniversário da capital
vizinha, embora seu prefeito tenha nos dado as costas. O provincianismo de Paulo
Hartung e seu egocentrismo desclassificaram um fato cultural inédito.
Um Conselho operante é um fórum permanente de debates construtivos.
Minimiza equívoco na gestão cultural. Nesta hora crítica
de assimilação de muitos novos capixabas, transformações
radicais e enorme vazio político, só o estilo imperial de governo
justifica tal desinteresse. É grave a permanência de atores medíocres
na condução de um processo político, que capitaneai transformações
aceleradas no nosso ambiente e cultura.
O cidadão consciente sabe que o desprezo à Cultura é a
pior traição do chefe. É ignorar o legado dos ancestrais
e a nossa existência; é demolir o alicerce da identidade.
Kleber Galveas, pintor. www.galveas.com Tel. 3244 7115 atelie@galveas.com 09/2008