Algo aconteceu sob o viaduto. Os veículos pararam. Um caminhão
baú, milímetros mais alto do que o vão, estava entalado.
Quando, por consenso, resolveram buscar ajuda para arrancá-lo à
força, um moleque que vendia picolés sugeriu esvaziar, um pouco,
os pneus. O trânsito foi liberado em minutos e fluiu ajudado pelo pensamento
divergente do garoto.
Pretendendo formar pomar, consultei Honório Amorim, que nasceu e morreu
velho na Barra do Jucu. Observando ervas e capins que nasciam espontaneamente
no meu quintal, ele me aconselhou plantar determinadas essências. Opinião
confirmada por meu irmão agrônomo, só após perfurações
e análise do solo.
No quintal do Honório havia touceiras de canas que ele chamava de “760”,
pois cada uma continha esse número de canas. Variedade cultivada ali
por seus ancestrais. Com a morte do Honório o sítio foi vendido
e “limpo”. No lugar de um patrimônio genético selecionado,
surgiu uma piscina comum.
Meu visinho Delcy, falecido em 2001, era capaz de indicar o morro de onde obtermos
o melhor barro para construção. Para aterrar ruas apontava outro
barreiro, e a batinga para moldar panelas, sabia de onde tirar. Ensinou-me que
o cipó-são-joão, era o mais indicado para tecer armadilhas
que ficavam submersas: “Ele não apodrece na água.”
Seu Germano conhecia ervas, sabia o nome, preparação, posologia
e aplicação, de qualquer uma que lhe mostrassem. Para falta de
ar, receitava cigarros feitos de flor torrada de babado-de-sinhá ou beladona
roxa. Sua mulher era caprichosa. Depois de passar roupa, dobrar e empilhar as
peças para entregar, colocava entre elas folhas de patchuli apanhadas
no quintal. Cheirinho agradável de roupa limpa que nunca mais senti.
Centros Espíritas e Igrejas queimavam a resina da almesca pulverizada,
no lugar do incenso. Era colhida na restinga, por moleques. A almesca produz
frutos muito curiosos, lembram o algodão doce. Eles só podem ser
comidos durante pouco tempo, após o sol nascer. Expostos ao calor e luz
solar, o “algodão doce” polimerizado, apresenta consistência
de plástico.
Muitas cartas foram fechadas e o selo colado, com seiva do abano ou do sumaré.
No séc. XIX, os principais produtos de exportação do município
de Guarapari, eram resinas, bálsamos e óleos, extraídos
de árvores da restinga que crescem em areais aparentemente estéreis.
A seda nativa capixaba, obtida de mariposas que se alimentam com folhas da mamona,
ao invés da amoreira da China, embora elogiada e usada na confecção
de uma toalha para o Imperador Pedro II, sem incentivo, desapareceu. A samuma,
que fornece fibras para cordas, madeira, óleo fino e paina hidrófoba
é raridade, quando ontem era endêmica.
Os exemplos citados acima, são pequena fração das vantagens
que podemos obter da nossa natureza. Muita coisa foi pirateada, desenvolvida,
patenteada e dá lucro no exterior.
Se quisermos salvar a Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica, nessa
fase de ditadura globalizada do capital, temos que fazer a natureza dar lucro.
O único caminho é o conhecimento, pesquisa, avaliação
e aproveitamento econômico das suas potencialidades. Como são essências
nativas que dispensam adubos e pesticidas importados, a tarefa é nossa.
Investigar a natureza, encontrando aplicação para seus produtos
é recolher a pedra preciosa sobre a qual a multidão passa sem
notar o valor. Nosso caso é dramático, não há distração,
cortamos e queimamos. Eliminamos sem conhecer. Não dá nem para
medir o quanto já perdemos nos últimos tempos.
Kleber Galvêas, pintor. Tel. (27) 3244 7115. Visite o nosso site: www.galveas.com
01/2010
Publicado hoje (01-01-2010) em A Gazeta. Favor repassar para amigos. Grato,
Kleber