CANELA-VERDE
Em Vila Velha, quando criança, banho de mar só nas Timbebas, canto
da Prainha perto do antigo portão do Convento da Penha. A Praia de Inhoá fora
aterrada para a construção da Escola da Marinha, Piratininga ocupada
pelo Exército, e a Praia da Costa parecia distante. Nas Timbebas já existia
(1955) o cais de pedras, construído poucos anos antes, para lavar a alma
do canela-verde.
A praia era rasa, a água morna e muitas pedras soltas compunham belíssima
paisagem. Entre as algas que flutuavam em grande quantidade, predominava a alface-do-mar
(Ulva sp.) comum nos mares temperados. Pareciam folhas de papel celofane verdes.
Quem mergulhava emergia coberto por elas que aderiam ao corpo, como se fossem
papéis molhados. A garotada imitava monstros, vistos no cinema, empilhando
algas sobre a cabeça. Quem caminhava na água saía com a
canela verde. Faça o teste na Praia do Ribeiro, Praia da Costa.
Estão assinaladas mais de duas dezenas de cais em mapa de Vitória
(1764). Sendo os principais: Colunas, Azambuja, Grande, Santíssimo, Batalha
e Jesuítas. Em 1860, Pedro II inaugurou o maior, o do Imperador. Quanto
ciúme! Vila Velha completou 400 anos em 1935, sem cais. As pessoas vindas
de barco (principal transporte, do séc. XVI ao séc. XX) desciam
dentro d’água e chegavam à praia com as canelas verdes.
Segundo o Coronel José Joaquim Machado de Oliveira, Governador do Espírito
Santo, a primeira capital (VV) se orgulhava da primazia, porém, descuidava-se.
Perante a Assembléia Provincial (1841) ele a comparou a um velho e em
seguida, a uma velha: “Não devo aqui omitir que o município
de VV simboliza um velho venerando que com a consciência da alta categoria
que representou, não cura de mais nada, e cheio de vanglória pelas
tradições e reminiscências do seu passado, exige imperiosamente
que se lhe tributem homenagens e deferências e se considere o seu estado
de inação como muito compatível com a posição
que figurou... mas, senhores, deixemos repousar esta velha pacífica sobre
seus pergaminhos e embalada pelas suas recordações de glória
e preponderância primitiva”. (Cezar Marques, 1878)
A relação entre a antiga e a nova capital não era amistosa,
desde a transferência feita na ausência do Donatário que estava
na Europa (e que na volta continuou morando em VV). A mágoa persistiu
por 400 anos.
Os capixabas apelidaram a Vila do Espírito Santo, de “Vila Velha”,
e seus moradores de “canelas-verdes”. O primeiro apelido foi assimilado,
destacava a primazia na colonização. Mas canela-verde era “enxova”,
que “pocava” nosso orgulho. Apontava uma deficiência: a ausência
de cais. Construído o primeiro na Prainha, esta alcunha perdeu o sentido.
Em seguida, adotamos o apelido.
A adoção de apelidos é fato comum. A mais conhecida é a
do impressionismo. Esse termo foi usado pejorativamente por um crítico
(1874) aplicado a uma pintura de Monet, exposta no Salão dos Artistas
Independentes. A tela obteve tanto êxito, que o impressionismo tornou-se
o estilo de pintura mais difundido.
A origem depreciativa da alcunha canela-verde perdeu-se com a aceleração
do crescimento das duas cidades, a ligação feita por estrada e
bonde, o aterro da Prainha, das Timbebas, do cais, e a chegada de milhares de
migrantes, em curto espaço de tempo. O vilavelhense esperto, na era da
comunicação, agradece o “batismo”; assume o apelido
e proclama sem ressentimento: eu sou canela-verde!
Kleber Galveas – pintor. Tel. 27 3244 7115 www.galveas.com 07/2007