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A HORA E VEZ DO ABSTRATO?

 

Em Vila Velha existia apenas um caminho estreito asfaltado na década de 50. Ele cortava a cidade, onde hoje estão localizadas as avenidas Jerônimo Monteiro, Champagnat, Gil Velloso, e seguia até ao Farol Santa Luzia.

Na década de 60, esse caminho foi coberto com nova camada de asfalto, de péssima qualidade. Poças de betume se formavam em sua superfície nos dias quentes, sujando automóveis e pessoas. Quando voltávamos a pé da Praia da Costa, ao tomar banho de chuveiro, o box do banheiro ficava carimbado com pegadas, de difícil remoção. Assim, tive a ideia de usar esse betume, dissolvido com querosene, para pintar meus quadros.

Instruído por minha mãe, ex-aluna de pintura da Irmã Teresa, na Escola do Carmo, Vitória; incentivado pelo vizinho Homero Massena, e por amigos, levei telas pintadas com betume e fui aceito no Primeiro Salão Nacional de Artes Plásticas do Espírito Santo. Salão organizado por Robert Newman, fundador do Museu de Arte Moderna do Espírito Santo (1965/70).

Em 1964 visitei várias vezes, em Vitória, a exposição coletiva promovida por professores da Faculdade de Belas Artes. Fiquei entusiasmado com a Arte Moderna dos Capixabas: Rafael Samú, Carlos Chenier, Marien Calixte, Xerxes Gusmão, Ana Maria Nicoletti... Pintores abstratos, cujas telas dessa mostra eu não esqueci, 50 anos depois.

Empolgado com a novidade, em formação, aos dezessete anos, discuti muito com o Mestre Massena sobre essa mostra em Vitória. Ele, generoso e muito paciente pintou algumas telas expressionistas e abstratas, para esclarecer sua opinião. O técnico de futebol Jorginho Namorador, quando menino, me entregou certa manhã, a pedido do Massena, uma carta e uma tela (“Abstração I”), que conservo. Na carta puxava as orelhas do discípulo rebelde.

A participação bem-sucedida no Salão do MAM capixaba me encorajou a pintar painéis, fazer o projeto do Salão Nobre e dos stands para o XIII Congresso Brasileiro de Anestesiologia, que aconteceu no Clube Siribeira, em Guarapari (1966). Com a grana expressiva obtida nesse trabalho, embarquei para a Europa no ano seguinte, de carona em cargueiro do Lloyd Brasileiro. Em Portugal fui hóspede do pintor abstrato (tachista) Peniche Galveias, amigo do pintor Manoel Cargaleiro (abstrato lírico). Fiz gravuras na Sociedade Nacional dos Gravadores Portugueses e viagens de estudos aos museus da Inglaterra, Holanda, França, Espanha e Portugal,

Quando voltei (1969), percebi a dificuldade financeira do Massena. Pretendendo constituir família, durante dez anos tentei fugir da pintura. Passei pela Medicina, Economia, Publicidade, Magistério; fui empresário e assessor politico.

Em 1974 casei e vim morar na Barra do Jucu. Retomei os pincéis para não mais deixá-los. De inicio, quis registrar a minha impressão sobre a transformação acelerada do nosso ambiente. Fui impressionista

A década de 80 foi dedicada a exposições  em Vitória, no interior do Espírito Santo, em Brasília, nas capitais de outros estados e no exterior. Fui expressionista.

Na década seguinte, realizei no ateliê da Prainha (1979 – 1999), performances, happenings, instalações e exposições de vários colegas. Em 1997 pintei uma coleção abstrata, para a inauguração da galeria da UVV. Esse ano ficou marcado pelo início do projeto A Vale, a Vaca e a Pena, que desenvolvo há 20 anos.

Na passagem do milênio, trouxe o ateliê para perto de casa, na Barra do Jucu. Inaugurei o novo espaço com uma coleção abstrata, que sugeria a vertigem de Alice, que, ao cair no buraco, quando corria atrás do coelho das horas, chegou ao País das Maravilhas: a “Era da Incerteza”.

Toda essa história é para me sentir pronto e com segurança convidar o público para ver uma nova coleção abstrata pintada nos últimos dois anos.

Nunca erramos ao produzir as nossas obras, se elas nos satisfazem, mas erramos muito ao escolher quando e onde mostrá-las. Será a hora e vez do abstrato, aqui na Barra do Jucu? Vamos ver.

Kleber Galvêas, pintor. Tel. (27) 3244 7115 www.galveas.com outubro, 2015. 

 

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