Pinturas
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No inicio dos anos 1950, morei no
Flamengo, Rio de Janeiro. Vi nessa praia, que logo foi aterrada, a garotada
usar pranchinhas das escolas de natação para pegar “jacaré” em marolas. Morando em Vila Velha, desde 1954, meu
pai exibiu lá em casa um filme, em preto e branco, que mostrava o “surf”
praticado só por nobres da família real do Havaí. Eles usavam como pranchas o
que me pareceu serem segmentos de troncos de palmeiras. Eu era criança, mas me
lembro de que a ação era uma disputa em linha reta, aproveitando ondas grandes
que corriam entre duas ilhas próximas, e não em direção à praia. Esse
filme de 16 mm nos foi emprestado pela filmoteca do Consulado Americano, que
existia em Vitória. Em 1958, o Centro de Saúde, no Parque
Moscoso, recebeu uma remessa de vacinas vindas dos Estados Unidos. Eram
pequenas ampolas individuais que chegaram acondicionadas em furinhos de uma
placa grossa (10 cm) de isopor. Foi a primeira vez que esse material
apareceu por aqui. Eram placas lisinhas. Quando esfregadas com a mão,
produziam ruído forte e agudo. Todos os que estavam por perto reclamavam de
“gastura”. Meu pai, Diretor do Cento de Saúde, após a vacinação, trouxe essas
embalagens descartadas para casa e nos levou para testá-las na Prainha (que
também foi logo aterrada). O material de baixíssima densidade flutuava
soberbamente na água, e todo mundo pedia para tocá-lo. Até então só a raiz do
ariticum do brejo, usada para fazer as boias das redes de espera dos pescadores
e a piteira, usada para afiar navalhas e construir as jangadas da molecada,
flutuavam bem em nossas águas. A cor branca do isopor chamava a
atenção quando íamos à praia. Todos perguntavam o que era e onde havíamos
conseguido material tão interessante. Na Praia da Costa, naquele tempo,
disputávamos lugar na areia com bois e vacas, nós usávamos o isopor para pegar
as ondas “grandes”, em frente aos edifícios Sol e Mar e o Guruçá. O “pegar
jacaré de peito” foi o nosso esporte favorito nas ressacas do mar durante
muitos anos. Por volta de 1965, os irmãos Ramos,
moradores da Praia da Costa, fizeram uma prancha oca usando caibros e
compensado. Como havia colaborado com piche e barbante para calafetá-la, fui
convidado para surfar com eles na Praia do Sol, hoje Ulé. A prancha era enorme.
Apoiada no fundo da carroceria de uma caminhonete, a ponta seguia sobre a
cabine. Havia cerca de seis moleques para uma prancha. Levávamos várias quilhas
de reserva, pregos e martelo. As quilhas eram feitas de tarugo e compensado,
fixadas com pregos. Embora não se fizessem manobras, quebravam ou soltavam
facilmente. Acidentes com os pregos eram muito comuns. Havíamos assistido ao
longa “Maldosamente Ingênua”, com Sandra Dee, 1959, e esse tinha sido
nossa escola de surfe. Pouco tempo antes de embarcar para
morar dois anos na Europa (1967-1968) fui apresentado por Jorginho Neffa à
primeira prancha de resina que vi. Quando íamos experimentá-la na Praia do Sol,
o seu fusca foi atropelado por um ônibus. Morando em Lisboa, próximo a Cascais
e à Costa de Caparica, não vi ninguém surfar em Portugal. Num passeio feito a
Nazaré, vi ondas descomunais como uma curiosidade. Jamais pensei que alguém
pudesse surfar nelas. Tendo voltado para o Brasil em 1969,
meu interesse voltou-se para a Faculdade. Em 1974 casei e vim morar na Barra do
Jucu, motivado por experiência de um domingo passado aqui com a família, quando
tinha sete anos. O surfe começava a ser praticado no
Barrão. Renatinho Shalders e alguns amigos guardavam suas pranchas modernas em
minha nova casa. Um dia resolvi experimentar. As remadas foram tão intensas
para chegar ao pico que, vencendo as ondas, não tive força para levantar a
cabeça e desisti. Hoje sou pai de três surfistas:
Homero, Augusto e Alexandre. Sabem tudo sobre a história do surfe e das ondas do
Barrão. Kleber Galvêas, pintor - Tel. (27) 3244 7115 www.galveas.com outubro,
2014 |