Pinturas |
Obrigado a acompanhar a
mudança da Biblioteca Nacional, de Lisboa para o Brasil, trazida por D. João
VI, o bibliotecário Luís dos Santos Marrocos deplorou a sua sorte nas primeiras
cartas que enviou para a “Terrinha”. De inicio odiou tudo o que viu e a quantos
conheceu. Até... encontrar a mulata. Encantado, inebriado, libidinoso, mudou
completamente o tom das suas missivas: o Rio era o paraíso. Não é à toa que a
mulherada vai à praia de “asa delta”, a garotada de sunga, ou pagam R$70,00 por
uma sessão de bronzeamento artificial. A preferência pela pele morena é quase
unânime no Brasil, quiçá, no mundo. Se você tiver dúvida venha à Festa da Penha,
em Vila Velha, Espírito Santo. O Espírito Santo, no
século XIX, recebeu imigrantes do Norte da Itália, do Norte da Alemanha e da
Polônia. A maioria loura e de olhos azuis. Esses imigrantes, com a fartura que
desfrutaram cultivando a terra, conseguiram se reproduzir com enorme
desenvoltura. Como vieram de uma região onde a puericultura era mais
desenvolvida, suas crianças cresceram saudáveis, quase todas chegaram à fase
adulta e se multiplicaram. Eram 10, 20 filhos por casal. A Festa da Penha, que
acontece todos os anos, desde 1570, na segunda segunda-feira após a Páscoa,
reúne capixabas de norte a sul do interior do Estado, os que vivem na Grande
Vitória e os que nos visitam. É grande o número de casais com cores mistas que
podemos observar, muitos deles trazendo seus filhos. |
Conversando com alguns
homens e mulheres desses casais, ouvi: os de pele escura dizerem ter sempre
preferido alguém de pele clara para casar. A preferência dos de pele clara era
pela pele escura. Se observarmos uma flor de hibiscos, muito comum nos jardins, nós vemos que a parte feminina da flor (gineceu) fica acima dos estames que portam o pólen (androceu). Essa disposição dos órgãos sexuais comum, na maioria das flores, dificulta a autofecundação, possibilitando cruzamento genético com outra flor e, assim, variações na espécie. Essas variações, ao contrário de mutações, geralmente são transmitidas aos descendentes. As variações em uma espécie são estratégias de sobrevivência em um mundo com o ambiente sempre em transformação. Nossa história mantém
registros discretos de grandes homens de pele escura (negra ou indígena) que
tiveram papel de relevância na construção do nosso País. Lembro alguns: André
Rebouças, Francisco de Paula Brito, Pixinguinha, José do Patrocínio, Lima
Barreto, Machado de Assis, Marechal Rondon... No cenário internacional, o
prestigio da pele escura culminou com a eleição de Obama nos Estados Unidos. O que amamos nós
conservamos como referência, mas só podemos amar o que conhecemos. Acredito
que, desde os tempos dos mouros, em Portugal, a pele escura desses africanos
gerou um paradigma, um preconceito: são invasores inimigos. Mídia, governo, escola,
igreja, indústria, comércio e demais segmentos sociais têm-se esforçado para
modificar essa percepção, prestigiando e valorizando a pele escura. No Brasil nunca existiu
um “Ônibus de Rose”, nem banheiros e bebedouros públicos separados, como na
década de 1960 ainda havia nos Estados Unidos. Lá sempre se soube quem era
negro ou branco. Havia uma regra: com o octoroon (um oitavo de sangue negro) o
individuo era considerado negro, não importando a aparência. Aqui nunca houve
regra, e a miscigenação é quase absoluta. Não existem guetos étnicos e em toda
favela se encontra amplo espectro de cores de pessoas. Vejo com grande alegria
a beleza, vigor físico e o bom caráter do meu neto mulato de 10 anos, que tem o
meu nome. No Brasil nunca existiu
racismo de Estado. O preconceito já é percebido como um paradigma, sem nenhuma
razão para continuar existindo. No Espírito Santo, percebo que acreditamos
nisso cada vez mais. A eleição do governador Albuino, há 25 anos, já indicava
nossa disposição. |