GENERAL DAS ARTES
Conheci, na casa de Homero Massena, anos 60, um amigo dele muito especial.
Pessoa
sensível, de fino trato, grande admirador da boa pintura e da Arte do
mestre. Algumas vezes servi de mensageiro entre os dois, levando ao escritório
do amigo, textos do Massena (muitas vezes assinados com pseudônimos: J.
Prates, J. Carlos...) para que ele (diretor do jornal) providenciasse a publicação.
Este amigo de Massena, quando estudante, havia morado na Ilha do Governador (RJ)
em casa do tio pintor, Guttmann Bicho, famoso impressionista carioca, representado
no Museu Nacional de Belas Artes (prêmio de viagem, 1921). Galdino Guttmann
Bicho promovia, em sua casa, reuniões freqüentes de artistas, que
o sobrinho, estudante da academia militar, acompanhava interessado.
Concluídos os estudos no Rio, de posse da patente de tenente, o jovem
partiu para seu posto no Rio Grande do Sul. Contava ele que seus primeiros soldos
foram usados para pagar uma bela pintura, de grandes dimensões e excelente
fatura, que adquiriu logo que chegou à terra gaúcha.
Certa vez, eu visitava Massena, quando o então General chegou. Conhecendo
as regras do mestre (de como mostrar as telas naquele ambiente) fui ao ateliê buscar
algumas. Depois de meia dúzia, seqüência que Massena acompanhava
sentado ao lado do amigo, de um pulo este se levantou e foi ao meu encontro dizendo: “Esta
não, não leve esta tela”. Ao retornar, deu de cara com o
General, que quis saber por que aquela tela não poderia ser vista, e pediu
para que a virasse. Era uma cena à beira mar, céu plúmbeo;
pessoas portando sombrinhas se dirigiam apressadas para uma igrejinha. O amigo,
mal olhou a tela; voltando-se para o Massena disse: “Professor, quando
eu adquiri uma tela como esta, você me prometeu não repetir”.
Ao que o mestre retrucou: “Darcy, olhe com calma. Nesta tela as figurinhas
têm guarda-chuvas na mão; na sua há poças de água
na rua, nesta não. Aqui a chuva está chegando; na sua, já caiu.
São dois tempos, no mesmo lugar”. O General examinou a obra com
atenção...
Voltamos para a sala, onde mostrei mais algumas telas, enquanto Massena, com
o violão, animava as visitas. D. Edy servia o café. A conversa
inteligente corria solta. Eu anotava nomes para depois pesquisar (Parreiras,
Batista da Costa, Hélios Seelinger, Luiz Edmundo, Belmiro Braga...).
Quando o general Darcy saiu, levava mais uma capela singela do Rio Grande do
Sul, variação do tema tão querido, e nos disse: “Ficarão
interessantes, lado a lado, na minha sala.”. Depois que o seu carro dobrou
a esquina, Massena concluiu: “Fico feliz, ele é ainda melhor e mais
sensível do que eu imaginava”. (Estas duas telas, emprestadas pelo
General, foram expostas juntas, no Teatro Carlos Gomes, em 1975, na primeira
retrospectiva que organizei da obra do mestre).
Depois da morte de Massena (1974) quando acompanhava artistas à Rede Gazeta,
para divulgarem suas exposições, visitávamos sempre seu
Diretor, o General Darcy Pacheco de Queiroz. Ele, com olhos vivos e sorriso amigável,
gostava muito de conhecer os novos artistas e ver seus trabalhos. Tinha sempre
palavras de incentivo e atitudes positivas para apoiar a Arte percebida. A parceria
dele com Dona Edy, oportunizando espaços para a divulgação
da obra de Massena, fez com que este artista não caísse no esquecimento,
como aconteceu (entre os conterrâneos) com o cachoeirense Levino Fanzeres
(1884 – 1957 – prêmio de viagem 1912).
Este foi um general muito especial. Não fez guerra. De sua trincheira,
defendeu a Arte Capixaba, divulgando o trabalho dos nossos artistas. Seu posto
está vago, há 7 anos.
Kleber Galvêas, pintor. Tel.: 3244 7115 www.galveas.com ateliê@galveas.com
02/2007
PS. Sábado de carnaval. Ivete Sangalo aparece absoluta, na 1ª e 11ª pág.
de A Gazeta e na 1ª pág. do C.2. É provincianismo, incompetência
ou simples desorientação?