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GALINHEIRO INSPIRADOR

 

Tenho dois vizinhos bem próximos: Teobaldo e Aníbal. Um mora em frente ao outro. Teobaldo, aposentado, montou na sua casa uma oficina para pintar e consertar bicicletas. Seu filho trouxe placas de MDF para cobrir o piso e evitar sujar a cerâmica da antiga garagem. Após alguns anos de atividades no local, pintando bicicletas, geladeiras e brinquedos, deixando graxa cair, pingar óleo e estampando diferentes pegadas   nas placas, ele achou que era hora de trocá-las. Empilhou o material na calçada, ao lado de pacotes de lixo.

Aníbal, que tinha no fundo do quintal um galinheiro, com o lado desprotegido do vento sul voltado para a rua, apontando o descarte, perguntou ao Teobaldo: “Isso aí é lixo?” Ao receber resposta positiva, recolheu as placas coloridas e com elas forrou o galinheiro.

Sempre que passava por ali, a caminho da padaria,  detinha-me apreciando o belíssimo painel abstrato, composto com as antigas placas do Teobaldo, formando a parede sul do galinheiro do Aníbal, emoldurado por mamoeiro, palmeira e uma moita de cana.

Se alguém da família me flagrava, junto da cerca, olhando para o galinheiro no fundo do quintal, tecia rasgados elogios à beleza do ambiente.

Encontrei Aníbal na rua,  parabenizei-o pela feliz ideia que teve de usar as placas naquele lugar. Devo ter exagerado e levantado suspeitas com meus aplausos, pois  pouco durou o meu prazer estético. Passando por lá, vi que o painel havia recebido completa caiação. O branco me chocou, causando enorme decepção.

Desconfiei que houvesse sido mal interpretado. Privado da apreciação desse belo painel,  pretendendo chamar a atenção para a beleza de fatos estéticos do cotidiano, resolvi pintar uma coleção abstrata inspirada nele. Convidei Aníbal e Teobaldo para verem o resultado na exposição de 1983.

A Barra do Jucu tem-se tornado mais reservada. Os quintais não são mais vistos da rua. As cercas de varinhas que sustentavam o cipó amor-agarradinho (que não precisa ser aguado e explode em flores no verão) foram substituídas por muros altos, coroados com arame farpado ou cacos de vidro.

Nunca me esqueci daquele galinheiro. A exposição de pinturas abstratas, que pretendo abrir ao público, no início de novembro, em meu ateliê, é a quarta coleção realizada, em que busquei inspiração na lembrança da parede sul do galinheiro do meu vizinho.

Kleber Galvêas, pintor. Tel. (27) 3244 7115 www.galveas.com outubro, 2015

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