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“FUNAI” PARA CABOCLOS?
Dezembro de 1972, Barra do Jucu. Depois de comer mais de 50 siris de cascos moles e cascos duros, de tomar cervejas em latas de ferro no Pedrinho’s Bar, Homero Massena (87 anos) pintou uma moringa que se tornou um ícone na luta do capixaba contra a poluição atmosférica. O pincel usado foi um pedaço de bambu com a ponta esmagada, providenciado na hora; a tinta, cedida por tio Pedrinho; e a moringa, encontrada detonada em um canto.
Enquanto ele pintava, sua esposa Edy fotografava, e nós conversávamos sobre a vinda da Kawasaki para a Ponta de Tubarão: início da colonização siderúrgica do nosso Estado.
Em uma face da moringa Massena desenhou um japonês de óculos escuros, com aspecto agressivo, saltando sobre o observador. Do outro lado pintou um capixaba retraído, sorriso de lado, olhinhos ingênuos e cabelos com chuca, tipo neném.
Nas nossas conversas, sempre concordávamos que o progresso devia ser perseguido e empregos criados, mas não a qualquer custo. Que a vocação do ES não era a siderurgia, mas serviços, indústrias limpas, portos, agropecuária e turismo.
Sabíamos que enorme contingente de trabalhadores baianos, varridos pela “vassoura de bruxa”, que liquidou o cacau, se juntaria aos capixabas, mineiros e fluminenses, deslocados pela quebra do café. A Grande Vitória inchava com brasileiros que precisavam trabalhar.
Também sabíamos que a Ponta de Tubarão era lugar impróprio para se desenvolver um polo siderúrgico. Só D. Quixote ousaria duelar com o nordestão que sopra por lá. Receávamos que, aflitos para resolverem o problema do desemprego, governantes renunciassem à nossa vocação, cedendo sempre aos interesses das empresas.
Massena, ao retornar ao ES em 1951, foi morar na Prainha de Vila Velha. Eu conheci a Prainha “dele” em 1955. Jamais esqueceria lugar tão agradável e repleto de histórias. De Inhoá à Ucharia, passando pelas Timbebas e o Queixo do Burro, cada trecho da praia ainda preservava a sua história, escrita a partir de 23 de maio de 1535. Fauna, flora e beleza natural ainda eram originais.
Nas tardes de maré cheia, os canelas-verdes se reuniam na Prainha, para nadar nas águas mornas do cais que existia junto ao portão velho do Convento. Aos sábados e domingos dividíamos a pequena faixa de areia com a turma que vinha de bonde de Vitória, dos bairros e cidades do interior.
No séc. XIX, a praia de Piratininga foi ocupada pela Marinha, que no séc. XX a entregou ao exército e, em seguida, aterrou Inhoá até a Ilha da Forca, construindo aí a Eames. Das três praias do centro de Vila Velha restava a Prainha. Primeiro ela foi transformada em esgoto e depois aterrada. Desapareceu!
Serviços públicos não acompanharam o ritmo do crescimento, e os riscos, para nativos e migrantes, cresceram junto com a desorganização social e a poluição. Nossa cultura foi demolida mais rapidamente do que a dos índios. Por mais que tenham se empenhado na exploração dos nativos e das nossas riquezas, colonizadores primitivos afetaram muito pouco o ambiente, possibilitando diferentes opções de desenvolvimento, até 1970. A partir daí, ações governamentais ignorando nossa vocação, dificilmente reversíveis, aceitas passivamente, corrompem a nossa identidade. Precisamos da proteção de uma Funac?
Hoje, em nossas casas muradas e gradeadas, sem flores nem frutos, recebemos sempre o nosso quinhão diário de ferro.
Kleber Galvêas, pintor – tel. (27) 3244 7115 www.galveas.com 05/04/2013
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