FIM DA PICADA.

Quase todo governo eleito oferece, despreocupadamente, a área de cultura (a mais pobre e desprestigiada) ao partido menos expressivo da coligação que o elegeu, ou coopta um artista deslumbrado (FHC vacilou convidando Fernanda Montenegro (que recusou), mas Lula teve êxito com Gilberto Gil). Já escrevi muito sobre essas transgressões éticas: o artista é um ser intrinsecamente político, enquanto livre; atrelado a um partido ou administração fica limitado, torna-se hibrido, sem classificação. O mesmo acontece com padres e pastores. Arte e religião têm espaços políticos próprios, suprapartidários; jamais no branco da omissão ou na ambição do poder, mas comprometidos com a expressão das idéias. O artista pertence a raro segmento social que, obtendo sucesso em suas apresentações, recebe aplausos espontâneos. Deve corresponder com igual generosidade, doando-se.
Quando o governante é eleito pelo voto direto, é suposto que teve seu programa de governo aprovado pelo povo. Empossado, deve cumpri-lo. Na área cultural, por definição, a iniciativa tem que partir do povo; senão, recebe um “ismo” qualquer (getulismo, nazismo, fascismo, comunismo, stalinismo...) e não é cultura, mas doutrina. Trai, portanto, a democracia que legitima seu poder e a constituição que dispõe, com clareza, sobre suas obrigações com a cultura nacional, popular e erudita.
Um Conselho de Cultura composto por cidadãos escolhidos pelo governador (para auxiliá-lo a ouvir, verificar, analisar, julgar, priorizar e institucionalizar as propostas compatíveis com o seu plano de governo) é grande auxiliar, no desenvolvimento e fiscalização de uma política cultural progressista. Este Conselho existiu nos anos 80, no ES. Foi esvaziado.
Dando sustentação ao processo de diluição cultural do governo federal (com a aplicação de leis de incentivo a cultura, o que, objetivamente, privatizou o autoritarismo) o governo estadual não regulamentou o Fundo de Cultura, aprovado há quatro anos. O que lhe daria capacidade e autonomia para investir neste setor. Estabilidade democrática e Cultura foram a mola mestra que, no séc.XX, impulsionou a economia americana ao patamar que admiramos.
As intervenções desastradas do candidato Paulo Hartung, na política cultural do ES, são históricas:
- enquanto Dep. Estadual fez Lei inviabilizando o Conselho de Cultura, alterando sua composição. Na época, protestei e escrevi: “Política Cultural Progressista: uma proposta”.
- como Prefeito de Vitória, seu secretário de cultura, em entrevista (“Cultura da Pedição” - A Gazeta) entre impropriedades declarou: “Não gosto de conversar com artistas”. Respondi com o texto: “Buraco Negro na Cultura”.
- agora, governador, anulou o Conselho de Cultura. Montou um esquema paternalista e, com sutileza (ao contrário do estardalhaço dos futuristas Marinetti/Mussolini, ou dos arroubos patrióticos de Capanema/Vargas) tem mostrado igual eficiência fascista. Já quase não nos reconhecemos como capixabas, perdemos nossa identidade.
Embora Educação Artística seja matéria curricular, as escolas não contam com o apoio básico de um museu de arte. O Palácio Anchieta foi reformado. Impróprio na localização e estrutura, para sediar o governo, ele preferiu preservá-lo para si, do que entregá-lo generosamente ao povo como museu.
A insensibilidade com a cultura capixaba, me faz apreensivo. No ES as transformações são rápidas e radicais. Persistindo na mesma picada, aberta há quatro anos, vamos dar com os burros na água e perder a carga cultural acumulada durante 500 anos.

Kleber Galvêas – pintor Tel.3244 7115 ateliê@galveas.com www.galveas.com 09/2006