Pinturas
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DE QUEM É A CULTURA?
Dona Maria das Couves mora em Idealpolis (lugar idealizado).
É incapaz de redigir um projeto, embora tenha pós-doutorado em sua profissão de
rendeira. Não tem recursos para pagar um “atravessador cultural” que o faça por
ela; nem tempo para trilhar o “caminho das pedras” exigido para se obter apoio
do governo, no atual sistema de gestão na área cultural, administrada pelo
Ministério da Cultura. Ministério autoritário, o mais pobre, fazedor de
projetos e amante de convescotes. Sempre ocupado pelo partido menos expressivo
da coligação vencedora da eleição. Bem-informada, ela sabe que artistas, produtores culturais,
artesãos e agitadores da área dificilmente conseguem sucesso ao tentar escalar
a pedra da burocracia: “é esforço perdido”. Do orçamento da área, menos de 10%
são destinados aos editais. Considera muito distante do povo a sistemática de seleção por
editais, praticada hoje, para a escolha de projetos. Com forte acento
autoritário e de inspiração fascista, é um processo oculto claramente elitista,
privilegiando medalhões, famosos, ratos de secretarias e bajuladores. Idade avançada, morando em uma casa simples mas espaçosa, com
grande varanda iluminada e arejada, Dona Maria resolveu montar uma Escola de
Rendeiras. Tem cinco almofadas recheadas com folhas secas de bananeiras; jogos
de bilros, montados com bolotas caídas das árvores e fixadas em taquaras (tudo
feito por ela); centenas de alfinetes; várias “receitas” de trançados e muita
disposição para ensinar a sua profissão. Fez cartazes de propaganda da escola e
os espalhou em igrejas, padaria, farmácia... |
Apareceram os interessados, mas nenhum disposto a pagar pelas
aulas: “Isto não é cultura? Obrigação do Estado”?
Surgido o impasse, ela resolveu ir ao governo de Idealpolis.
Encaminhada para a Câmara de Artesanato do Conselho de Cultura,
relatou para um
funcionário público seu projeto. O burocrata atendente em uma ficha simples
anotou: o que ela oferecia; do que
precisava do governo e o que se propunha
realizar com a parceria pretendida. Preenchida a ficha e após exames dos dados
pelos
componentes da Câmara de Cultura, que observam se o projeto tem
consistência, utilidade pública ou interesse social, e se
corresponde à
proposta do governo aprovada nas urnas, fiscais foram “in loco” verificar as informações prestadas.
Formado por burocratas, o processo foi encaminhado
para julgamento em sessão plenária aberta e participativa do Conselho
de
Cultura. Aprovado o processo, com todas as garantias firmadas, a
pretendente foi qualificada como parceira do governo
e teve acesso aos recursos
do fundo de Cultura.
A escola da Dona Maria funciona há vários anos. A parceria é
sempre renovada, as instalações e material didático estão sempre
em ordem. Tudo
muito bem cuidado pela dona, que recebe uma ajuda mensal irrisória do governo,
se comparada com as
despesas que ele teria na construção e manutenção de uma
escola nos moldes tradicionais. Com menos papéis para devorar e
carimbos para
multiplicar, focado nos resultados obtidos com parcerias, o governo fica mais
ágil, participativo e econômico.
Assim, tem chance de alcançar mais pessoas.
O Ministério da Educação e Cultura, um dos mais ricos do
governo, ficando responsável pela conservação do patrimônio
público material e
imaterial possibilitará que o Conselho desenvolva com mais eficiência parcerias
com os cidadãos.
A extinção do Ministério da Cultura não deixa saudade. Eleva
a expectativa de que seja o primeiro passo no sentido de se devolver
o fazer
cultural ao povo. Direito usurpado na era Vargas/Capanema e massacrado, com a
privatização do autoritarismo cultural na
era Sarney, e de todos os seus
sucessores.
Kleber Galvêas, pintor.
Tel. (27) 3244 7115 www.galveas.com maio, 2016