Certa vez fiz uma viagem de navio mercante, Loyd Nicarágua. Tinha 19
anos, era o mais jovem no navio. Com jeito de sabido fui chamado para resolver
uma questão: metade da tripulação afirmava ter o camelo
duas corcovas e a outra metade, apostava em uma só, e dizia: “quem
tem o dobro é o dromedário”.
Depois de um instante, disse que me interessava mais por animais da minha terra,
e perguntei se eles conheciam chupati, mão pelada, caticoco, cachorro
d’água, ouriço-cacheiro, gambá...
A tripulação era de toda parte do Brasil. Logo começou
um troca-troca de informações e durante o resto da viagem, quase
todo dia, tinha novidade. Era bicho que não acabava mais e histórias
fantásticas sobre caçadas e pescarias. Desenvolveu-se um ambiente
de aprendizagem.
Morando na Barra do Jucu em 1974, ganhei um livro do Sr. Alcides Gomes da Silva,
mestre Alcides da congada da Barra. O livro era uma herança, foi prêmio
conquistado por seu pai Joaquim, quando aluno da Escola Estadual do Tanque
(Viana).
Joaquim Pinto da Silva nasceu em 1865, e morou em Jaguaruçu. Matriculou-se
na Capitania dos Portos de Vitória, como remador, em 5 de julho de 1916,
aos 51 anos e trabalhou até os 72 anos. O menino Joaquim recebeu o livro “Maravilhas
da Creação” do Inspetor de Ensino do Estado, com dedicatória
elogiando seu desempenho nos estudos. Este livro, impresso em 1870, foi conservado
enrolado em pano, por seu filho Alcides. Em 1974, passados 104 anos, apresentava
depois da 10ª página o aspecto de recém saído do
prelo. Editado em português na França, descreve camelo, leão,
foca e outros animais exóticos. A capa é gravada com ouro, assim
como as extremidades das folhas internas. Seu Alcides me deu este livro, que
entreguei ao historiador Levy Rocha, casado com a professora Anna Bernardes
da Silveira Rocha, especialista em educação pública. Na
casa deles, na Toca, havia uma exelente biblioteca.
Depois de 1 século do prêmio recebido, na escola, pelo menino
Joaquim, a história se repete; agora, em grandes proporções.
Infelizmente, não houve aprendizagem do governo: o Governador do Estado
junto com empresários abriu, com pompa e circunstância, uma ótima
exposição de fotografias, no Parque da Pedra da Cebola. Em entrevista,
informou que cópias das fotos expostas serão distribuídas
para alunos das escolas estaduais. As fotos mostram paisagens desoladas e animais
exóticos, como o pingüim.
No Brasil há uma overdose de informações sobre animais
exóticos: zoológicos, fotos, vídeos e filmes. Recentemente,
programa líder de audiência na TV mostrou um peixe que desliza
na terra, como curiosidade da Ásia. Reconhecemos o camboatá ou “sobe-morro”,
dos brejos da Barra do Jucu.
Se a mídia tende a divulgar o exótico, seria interessante o governo
equilibrar a balança, oferecendo como recurso pedagógico, imagens
da nossa natureza. O primeiro passo numa aproximação é o
conhecimento. Com a natureza não é diferente. Como podemos esperar
das novas gerações comportamento contemporâneo em relação
a ela, se a mentalidade do governo é a mesma de há 1 século?
Como amar o que não conhecemos?
Escola é lugar de encontro, troca de experiências e desenvolvimento
psico-motor. Partindo do conhecimento exercitamos a capacidade de compreensão,
aplicação, análise, síntese e avaliação
das informações recebidas. Ali se forma o cidadão. O material
didático deve ser criteriosamente selecionado por professores; jamais
por empresário de bom gosto, artista bem intencionado ou governo desatento.
Kleber Galvêas, pintor. Tel.: 3244 7115 atelie@galveas.com www.galveas.com
05/2006